quarta-feira, 12 de setembro de 2007

APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO
Desde de criança estive envolvido em vendas, quando o Brasil ganhou a primeira Copa do Mundo, eu, com dez anos de idade, vendia laranjas na feira da Rua Conselheiro Furtado, no bairro da Liberdade em São Paulo. Dez anos depois, em sociedade com dois colegas do curso técnico de química industrial, abri a Century Perfumes e Cosméticos Ltda, eu ,é claro, cuidava do departamento de vendas. Estávamos instalados em um local sujeito a enchentes e um belo dia, tudo foi por água abaixo, literalmente! O primeiro tombo comercial a gente nunca esquece! Os credores não deixam! Minha primeira experiência com imóveis, foi na década de setenta sob a gerência do Paschoal Bárbaro Neto, figura conhecidíssima no mercado imobiliário, com ele aprendi muitas coisas nas quais alicercei a minha trajetória profissional e também, fiz o meu o primeiro curso de “Técnica e Psicologia de Vendas”, do professor Cícero Mendonça, e fui apresentado à AIDA (atenção, interesse, desejo, e ação).“ Também por sua indicação, conheci o “Pequeno Príncipe”, e “Como fazer amigos e influenciar pessoas.” Trabalhei três meses como corretor, no entanto, naquela época, existiam os promotores de venda, que de forma alguma poderiam ser comparados aos atuais vendedores de fichas, eram profissionais bem treinados, com vasto conhecimento da região em que atuavam, além de conhecedores do mercado de construção civil e das últimas tendências de utilização de materiais de acabamento, fator que os credenciava a fazer uma avaliação criteriosa do imóvel.A vantajosa remuneração paga aos promotores, me fez optar por um bom salário fixo, além da comissão de indicação e angariação sobre as vendas. Assim iniciei minha carreira de promotor imobiliário na Ca’d’Oro Imóveis, tempos depois, o Paschoal foi gerenciar a Local Imóveis, na avenida Indianópolis, me convidou, e eu fui ser um dos dez promotores da agência. Foi nessa época que conheci o Jardim Aeroporto, Vila Santa Catarina e outros bairros da região sul, locais em que maioria das ruas ainda nem haviam sido asfaltadas, depois trabalhei na City Pinheiros, City Boaçava, Vila Beatriz , Sumaré e Jardins. O mercado estava fervendo, havia um corretor na Local, que trabalhava apenas a periferia, tinha seguramente mais de trinta plantões e nem se dava mais ao luxo de atender os clientes, as fichas eram tantas que ele as distribuía entre os corretores e fazia um meio a meio. Sua maior preocupação era conseguir sempre, cada vez mais, o maior número de plantões. Ele andava de Galáxie que era o carro top de linha na época. Com tantos angariadores na rua, o que se conseguia de imóveis era um assombro. Posteriormente, como os promotores representavam um custo fixo para as empresas, as mesmas optaram para que o próprio corretor fizesse as captações, assim a única despesa era a comissão. É claro que o novo sistema, por motivos óbvios, acabou prevalecendo e perdura até hoje. Mas, me perdoem o saudosismo, não existem tão bons captadores como naquele tempo, os ficheiros de hoje em dia, se limitam a colocar o endereço do imóvel, o nome e o telefone do proprietário e, vira e mexe um ou outro está errado. Saindo da Local, fui trabalhar em uma imobiliária na Rua Maria José Lisboa, ganhando o dobro do salário, só que para receber era sempre a maior encrenca.
O Paschoal havia trocado outra vez de escritório, coisa que anos depois, já em cargo de gerência, eu descobri ser muito comum. Gerente de imobiliária parece técnico de futebol, fica no cargo enquanto o time vai bem. Novamente convidado pelo Paschoal, eu fui trabalhar na Urbanizadora Peva, do Ângelo Martins, na City Lapa, eles estavam mudando a sede da Rua Schilling, para a Rua Barão de Jundiaí. Assim eu chegava profissionalmente na zona oeste, sem saber que um dia, eu ficaria por lá durante muitos anos. Algum tempo depois, acabei saindo da Peva e trabalhei em alguns escritórios dos quais nem me lembro o nome. Aos domingos, eu comprava o Estadão e ficava procurando anúncios feitos pelos proprietários de imóveis, era um dos meios de angariar, era um tal de recortar anúncios e mais anúncios e, um belo dia, meu filho ainda pequeno, sentado no chão da sala me perguntou;
- Papai o senhor trabalha de cortar papelzinho?
Aquela inocente pergunta me marcou profundamente, eu me senti um nada, na total plenitude do significado desta palavra.Procurando novos rumos, fui trabalhar como vendedor em uma fábrica de embalagens de papel, a empresa ficava em Penápolis, no interior de São Paulo, eu fazia todo o Vale do Paraíba, de Jacareí até Barra Mansa. A praça estava muito ruim, não estavam vendendo quase nada, e o pouco que vendiam, em Ubatuba e Caraguatatuba, cidades bem próximas a São José dos Campos, se não se recebesse na época da temporada, virava um carroção, termo usado para os maus pagadores. Eu viajava a semana inteira no meu fiel fuscão azul pavão, que tinha no vidro traseiro um adesivo com uma enorme gota, por isso ele havia sido batizado de “Pingão”, e assim, eu iniciei minha vida de vendedor viajante, trabalhando muito, comendo mal e pernoitando nos hotéis ou pensões mais baratos da região. Numa das minhas primeiras visitas, em Taubaté, o dono de um mercado me disse:
- Se você é um bom vendedor, não perca tempo em tentar reativar os clientes da Sacotem nesta região. O seu preço é maior do que o da concorrência, e o frete encarece ainda mais a mercadoria.
Simplesmente respondi que, para provar que era um bom vendedor eu precisava recuperar a praça. E assim comecei a tirar leite de pedra, aprendi a tirar proveito da inflação, as vendas eram sempre feitas a prazo, sessenta dias fora o mês, e a entrega não era feita antes de trinta dias do pedido.
Quando enviava os pedidos para a fábrica, eu, sempre que possível, inflacionava a quantidade pedida, e como o preço mudava a cada quinze dias, e eu corria a praça novamente antes da entrega, quando a mercadoria era entregue o preço do dia era quase o dobro do que os clientes iriam pagar, era fácil convencê-los de que já estavam levando vantagem em receber uma mercadoria com preço defasado. Durante um ano e pouco eu me dei muito bem, no entanto, como o dono da firma era uma pessoa difícil de se lidar, e estava acostumado a tratar os viajantes aos berros, a primeira vez que ele, ao telefone, falou alto comigo, eu pedi que acertasse a minha conta e encerrei minha vida de viajante.Em busca de uma nova oportunidade, respondendo a um anúncio, ingressei na Organização Saraiva, aliás, meus dois únicos empregos em carteira, foram na Editora Saraiva, como divulgador e, na Livraria e Papelaria Saraiva, como vendedor do departamento de vendas diretas, mais conhecido por DVD. Era um departamento criado para dar atendimento exclusivo a advogados e estudantes de direito. Nós tínhamos uma relação com dados de todos os alunos de uma determinada faculdade de São Paulo, e a prioridade era dar atendimento a esses alunos, bem como, aos profissionais da área.
Na Saraiva eu conheci realmente a estrutura de um departamento de vendas, foi um aprendizado valioso, ali eu tive a oportunidade de conviver no dia a dia, com uma diversidade de tipos psicológicos de vendedores, gerentes e diretores, o que, posteriormente, me viria a ser muito útil na atividade gerencial.
Na época eu cursava direito em Bragança Paulista, e tinha, obviamente, muito contato com alunos e professores da minha faculdade, porém, o trabalho do DVD era direcionado à faculdade da qual mantínhamos o cadastro. Nos pedidos havia um campo que obrigatoriamente devia ser preenchido com o nome da instituição. Valendo-se da minha anterior experiência como divulgador, em contato com os professores eu conseguia a relação dos livros adotados e indicados, a grande maioria dos livros escolhidos pelos mestres era da nossa editora. Assim, sabendo exatamente qual era a bibliografia, eu montava kits de venda para todos os anos do curso. Em todos os kits constavam os códigos de direito, que eram imprescindíveis, e os livros de doutrina adotados, que em sua maioria eram coleções de três ou mais volumes, que seriam utilizados até o último ano do curso, e os alunos podiam optar pelo pacote completo ou simplesmente, adquirir os códigos e livros que iriam utilizar no ano que estavam cursando. Apesar de que a preferência dos alunos recaia sobre os códigos da Saraiva, eles tinham um pequeno inconveniente, eram pequenos e avolumados, chamados tradicionalmente de “tijolinhos” , se no mesmo dia o aluno precisasse levar à aula dois códigos diferentes, era bastante incomodo carregar o material, por isso alguns, ainda que poucos, preferiam os códigos da concorrência que eram em formato mais fino. Algum tempo depois, a Saraiva passou a oferecer os códigos nas duas opções, o que ocorre até hoje. Eu distribuía nas classes, cópias dos kits, com os valores da entrada e das parcelas, em cada caso. O aluno escolhia o que melhor lhe era conveniente e já deixava o cheque do valor da entrada anexado a relação dos livros desejados, que ele já assinava juntamente com o pedido, posteriormente eu preenchia os dados com os itens escolhidos, e colocava o nome da faculdade no campo específico, que é claro, era sempre o nome da instituição da qual o DVD possuía o cadastro. Foi assim que em l981, eu, que na Saraiva era conhecido pelo sobrenome, De Paula, me tornei o campeão de vendas de “livrinhos”, neste ano, além de um bom dinheiro, ganhei três cartões de prata, um diploma e um troféu da ADVB. O termo “vendedor de livrinhos” justificava-se, pois nós tínhamos também a venda um bom produto, a Enciclopédia Saraiva do Direito, então com vinte e poucos volumes já editados, a obra completa seria com setenta e oito volumes, e custava o preço de um fusca zero quilometro. A maioria dos vendedores procurava vender prioritariamente a enciclopédia, já que a comissão representava um ganho considerável. Eles achavam que a venda de livros avulsos era mais trabalhosa, o que correspondia a verdade, mas, eu não me importava em trabalhar bastante e ganhar muito bem.
O meu sistema de venda funcionava às mil maravilhas, tão bem que eu acabei esbarrando em um problema; um grande número de alunos era do estado do Paraná, o poder aquisitivo deles era muito bom e, muitos já compravam livros para a futura montagem de um escritório. É claro que, morando em repúblicas, eles não tinham muito espaço para guardar mais livros além dos necessários ao ano em curso, e me pediam para enviar a compra para as suas cidades. Mais uma vez a criatividade, que é prima irmã da iniciativa, me foi uma aliada de suma importância, assim, eu colocava nos pedidos a observação; “vendedor retira”, retirava os pedidos e os despachava para as cidades paranaenses. Os carnês eram enviados para os endereços de São Paulo, constante das notas fiscais, mas os pagamentos seriam feitos, na maioria das vezes, pelos pais dos compradores nas suas cidades de origem. Quando começaram a vencer os primeiros pagamentos eu fui chamado ao departamento de cobrança. Cabe lembrar que a integração bancária estava engatinhando.
- De Paula, o que você está fazendo, tem muita gente ligando do Paraná querendo saber onde pagar os carnês, nós não temos nada estruturado para a cobrança fora de São Paulo. Só me restou argumentar que o meu problema era vender !
Como resultado desta situação, a diretoria financeira reestruturou o setor de cobranças e, o DVD acabou por criar uma equipe de vendedores viajantes para o interior, que atendia também o estado do Paraná. Esta equipe era composta, na sua maioria, por ex vendedores da Enciclopédia Barsa, e o que eles vendiam não era brincadeira! O meu método de trabalho na faculdade deu tanto resultado, que fomos liberados a trabalhar com alunos de qualquer instituição, assim, eu o apliquei no Mackenzie, PUC, e nas faculdades de direito de Uberaba, Uberlândia, e São José dos Campos, entre outras. No princípio, o DVD estava instalado em um prédio, que também era utilizado como depósito e, ficava bem próximo ao local onde hoje estão localizados o Terminal Rodoviário da Barra Funda e o Fórum Trabalhista, depois de um ano mais ou menos, o DVD passou a ocupar um espaço no prédio da Marques de São Vicente. Eu chegava ao escritório, sempre por volta das sete e meia da manhã. Numa dessas manhãs, atendi a ligação de um rapaz de nome Edvaldo, ele cursava o segundo ano de direito em São José dos Campos e era presidente do diretório acadêmico. Mais do que depressa eu lhe disse:
- Olha, você já ganhou todos os códigos e livros que vai utilizar neste ano, eu só preciso do apoio do diretório para montar um esquema de atendimento aí com o pessoal. Ele me assegurou que não haveria problema, que conseguiria um local para que eu pudesse trabalhar, e eu marquei com ele para começar o trabalho naquela mesma noite. O que eu não sabia, ou não me lembro se esqueci, é que ele já havia falado com o, Secundino, meu supervisor, que todos chamavam de Dino, que tinha outros planos a respeito daquele assunto. Quando o meu supervisor chegou, comentei com ele que havia acertado os ponteiros com o Edvaldo e ele não gostou muito. Disse que já havia falado com o cliente no dia anterior e que iria mandar três vendedores para lá. É claro que chiei o quanto pude, eu criara o sistema de explorar o filé e não queria concorrência, afinal era questão de sobrevivência. Pessoalmente, eu e ele, não morríamos de amores um pelo outro, mas existia um respeito profissional, ele era um ótimo supervisor, e é claro também, que ele respeitava muito, o melhor vendedor da equipe. Eu sabia que ele estava vendo o lado dele e o da empresa, uma quantidade maior de vendedores significava mais vendas em menos tempo. Assim, diante da minha recusa total em dividir o filé, ele concluiu que a melhor alternativa seria ele mesmo me acompanhar todas as noites para fazer as vendas na faculdade. O trabalho em São José dos Campos durou apenas uma semana. A Saraiva mantinha pontos de venda na maioria das faculdades, após uma semana do nosso mutirão, o livreiro que mantinha o ponto em São José, foi muito desolado se queixar ao Antonio Luiz, nosso diretor de vendas. As suas vendas haviam caído assustadoramente, o meu trabalho estava atrapalhando o seu negócio, estava havendo um choque, que de forma alguma era interessante para a empresa. A forma de venda do livreiro era estática, passiva, limitava-se a aguardar a ação do comprador, o meu sistema era dinâmico, ativo, provocava, procurava, ia de encontro aos interesses dos clientes. Mas eu só voltaria por lá no próximo ano, na abertura das aulas, o livreiro ficaria por lá o ano todo, por isso fui convidado a deixar de fazer o meu trabalho na faculdade, mas em uma semana, eu, contando com a ajuda do Dino, já havia faturado quase oitenta por cento dos clientes.
Como já disse anteriormente, meu relacionamento com o referido supervisor era puramente profissional e, um tanto quanto cheio de espinhos. Quando o Dino chegou a empresa, eu já havia passado por duas supervisões anteriores, e na velha dança do entra e sai, eu terminei por ser o vendedor mais antigo da equipe quando ele a assumiu. Eu mantinha um bom relacionamento e uma liderança natural com todos, e acho que ele via aquilo como uma ameaça ao cargo dele, que na realidade nunca me interessou. Mesmo os novos vendedores recrutados por ele, viraram naturalmente meus amigos, e todos diziam que antes de serem integrados, nas reuniões feitas pelo senhor Dino, ele dizia expressamente que haviam alguns vendedores antigos, na verdade éramos em cinco, que ele iria mandar embora na primeira oportunidade. Aliás, ele alardeava aos quatro ventos, que conhecia todos os meios de arrumar uma justa causa, que era só a gente esperar. E para dizer a verdade ele tentou isso de todas as maneiras. Eu tinha bons contatos na faculdade, alguns amigos quando precisavam de alguma obra me ligavam e me autorizavam verbalmente a assinar o pedido. Foi exatamente numa dessas ocasiões, que o Dino teve oportunidade de começar a arquitetar o meio de dar um fim no seu maior problema, o De Paula, sem se importar com o fato dele ser também um dos seus melhores vendedores.O Aderli Ramos, era um gaúcho, aluno da minha turma, e dono de uma imobiliária na Avenida Paulista, a Sparta Imóveis, um dia ele me ligou pedindo todos os volumes já editados da Enciclopédia Saraiva do Direito, na época acho que eram uns vinte e poucos volumes. No entanto, por ocasião da entrega ele teve um problema no escritório que o impediu de assumir qualquer pagamento naquela ocasião. Assim ele pediu o cancelamento do pedido. O pedido foi cancelado, e como o Dino vivia procurando pelo em ovo, aquilo foi um prato cheio para que ele exercitasse seus anseios de me apurrinhar a paciência. Me agraciou com uma advertência, alegando que eu forjara o pedido simplesmente para conseguir ganhar o premio semanal de produção. O premio semanal era realmente muito bom, e eu o ganhei várias vezes. Muitas delas cheguei a pagar do próprio bolso a entrada de alguns pedidos, mas, jamais me ocorreu forjar uma venda. Às vezes chegava na sexta feira e eu precisava de apenas uma venda para cobrir a cota e atingir o premio, que era sempre em dinheiro vivo, fatalmente eu não podia perder a oportunidade. Apenas como hipótese, se o premio fosse de duzentos reais e me faltasse uma venda para atingir a meta, muitas vezes, apesar de eu já ter utilizado todos os meus argumentos, quando sentia que o cliente ia escapar, eu utilizava a minha cartada final, quase sempre infalível. Fingia ligar para a empresa para ver se conseguia uma condição especial. Ligava para lugar nenhum, conversava com ninguém, e desligava entusiasmado.Tirava o talão de cheques do bolso e preenchia o valor da entrada, que geralmente seria por volta de cinqüenta reais, e dizia;
- Olha doutor, consegui fazer meu chefe concordar com o fato de que o senhor é um cliente mais do que especial e não pode perder esta oportunidade, se o senhor fechar agora ele me autoriza a lhe dar o valor da entrada como brinde, o senhor vai pagar somente as parcelas. Eu falava colocando o pedido e o cheque da entrada preenchido sobre a mesa, e lhe passava a caneta indicando o local da assinatura. Resumindo, eu colocava cinqüenta do bolso, e recebia duzentos de premiação, era o mesmo do que receber um premio de cento e cinqüenta, se eu não fechasse a aquela venda não ganharia nada, portanto o investimento valia a pena. Cada vendedor tinha uma zona fechada, mas, vira e mexe eu chegava em um cliente e outro vendedor já havia passado e feito a venda. Eu não chiava, apenas pagava com a mesma moeda, era o já famoso, chumbo trocado não dói.! O relacionamento com o Dino, continuava no mesmo estágio, ele sempre querendo me colocar na marca de pênalti. Mas, como diz o ditado, Deus não erra nas contas. Em plena quarta feira de cinzas, o Aderli, aquele mesmo cliente e amigo que havia cancelado um pedido que eu havia assinado, e que resultara na minha advertência, me ligou.
- Toninho, eu estou fechando uma venda grande com um desembargador, e quero que você venha até aqui. Eu comprei um conjunto, aqui no prédio mesmo, no terceiro andar, e estou com uma estante enorme praticamente vazia. A reunião é a semana que vem e eu não posso atender o homem com o escritório deste jeito!
Foi uma das minhas melhores vendas, vendi a enciclopédia completa, além de todos os livros de direito que eu julgava ser imprescindível em uma biblioteca jurídica. Foi com um prazer enorme que eu entreguei o pedido ao Dino e, é claro, fiz questão absoluta de lembrá-lo quem era o cliente. Ele se limitou a dizer; “Você é mais liso que sabonete!” Eu, o Porto, e o Mário, éramos responsáveis por muito mais da metade das vendas da equipe da Capital. Eu fazia o impossível para ficar sempre em primeiro lugar e faturei todos os cartões de prata da campanha, e cada um dos três, ganhou um diploma e um troféu de campeão de vendas da ADVB. O Mário tinha uma namorada que estudava no Mackenzie e, que deixava sempre com ele um pedido assinado em branco, para que ele, dependendo do valor, cobrisse o meu faturamento. Como sabia deste fato, eu chegava quase sempre por último nas reuniões de final de mês, e só entregava os meus pedidos depois de todo mundo. Aquilo para o Dino era o máximo, ele curtia muito aquela guerra pelo primeiro lugar, afinal ele também faturava bastante. O Mário um dia chegou a me dizer: De Paula, deixa eu ganhar este mês! Todos sabiam que haveria uma reestruturação no DVD e a briga era pela gerência da equipe da Capital. O Porto, estava cotado para Minas ou Rio de Janeiro, a Capital fatalmente seria para mim ou para o Mário. No entanto, o Mário deixou a empresa. Pouco tempo depois, ficou decidido que eu assumiria a gerência da Capital e o Porto a do Rio de Janeiro, foi então que eu comecei a raciocinar. O Mário havia saído da empresa, eu e o Porto iríamos para a gerência e sem as nossas vendas, é claro que o faturamento da equipe da Capital iria despencar, aquilo para o Dino seria um prato cheio, o baixo faturamento com certeza seria atribuído ao meu desempenho na gerência, ele teria motivos suficientes para puxar de vez o meu tapete. Então, sem que ninguém entendesse o motivo, eu resolvi não assumir uma gerência pela qual eu tanto havia batalhado. Assim, o Porto assumiu a equipe, e eu continuei como vendedor. Um certo dia, o Dino e o Porto convocaram uma reunião de urgência, queriam descobrir quem havia violado um malote, no qual que estavam os cupons de retorno de uma mala direta enviada aos advogados. A mala direta era exclusivamente sobre a Enciclopédia Saraiva de Direito, e, atender um chamado daqueles era quase cem por cento de venda garantida. Foi um bate boca danado, mas não se concluiu absolutamente nada. Daquele dia em diante, os clientes nos eram passados sem que tivéssemos conhecimento da origem do contato do mesmo, e o Dino profetizou;
Eu vou descobrir quem foi!
Eu continuei trabalhando normalmente até que um dia o Dino me chamou. Ele tinha nas mãos uma nota fiscal de uma venda que eu havia fechado para um advogado na Avenida Imirim, e, triunfalmente ele exibiu a carta resposta da mala direta, em que o cliente pedia a visita de um vendedor. Para ele, aquela era a prova inconteste de que eu havia violado o malote, anotado os dados do cliente, recolocado o cupon no malote, e depois realizado a venda, o que justificaria o meu desligamento da empresa por justa causa, fato que ele me deixou bem claro. Eu sabia perfeitamente qual era a origem do cliente, no entanto, na hora não falei absolutamente nada. Deixei que o meu amado supervisor saboreasse por algum tempo o enorme prazer de se ver livre da minha pessoa. Saindo da reunião fui direto para casa, o que o Dino não sabia era que eu fazia os meus relatórios de visita diária com cópia. Na ânsia em me acusar, ele nem sequer havia se lembrado, que eu havia trocado algumas vezes a zona de trabalho, mas eu sabia, e muito bem, que havia trabalhado na zona norte, e que havia visitado aquele cliente mais de uma vez. Encontrei o que procurava, eu havia visitado o cliente por quatro vezes nos últimos noventa dias. De posse dos relatórios, eu concluí que era hora de encerrar a minha carreira de vendedor de livros. No entanto, a minha saída não ia ser como o Dino ansiosamente esperava. Detalhei em uma carta todo o ocorrido, tirei cópias dos meus relatórios, e juntei as cópias em carbono das minhas visitas ao cliente especificado, comprovando o meu vínculo de atendimento ao mesmo, que culminou com a venda que havia gerado aquela polemica, aproveitei a ocasião para evidenciar todas as tentativas que o Dino havia feito para me prejudicar na empresa, salientando é claro, o seu inesgotável desejo de me imputar uma justa causa, e, como dizem alguns, que a melhor defesa é sempre o ataque, relatei pormenores de alguns erros cometidos por ele no reembolso de combustível aos vendedores, bem como na distribuição dos prêmios semanais em dinheiro, assinei, reconheci a firma e enviei para a diretoria financeira através do cartório de títulos e documentos. Acionei a bomba e fiquei apenas aguardando a explosão!
Dois dias depois, por volta de onze e meia da manhã o Dino mandou me chamar, estava visivelmente abatido, o mundo havia desabado sobre ele e estava claro que o diretor de vendas devia ter lhe comido a alma. Não posso, no entanto, dizer que fiquei com pena dele.
- De Paula, o que você foi fazer?! Olha, o Antonio Luiz disse que se você quiser sair, não tem problema, você vai receber tudo o que tem direito. Mas você só sai se quiser. Pode até escolher outra zona para trabalhar, se for o caso. O meu desejo era realmente sair da empresa, pedi a ele para preparar o meu aviso prévio. Deixei a organização, mas não da maneira que o Dino sempre desejou. A informática vinha crescendo a passos largos e, o DVD foi desativado algum tempo depois deste episódio. Alguns meses depois, recebi um telefonema do Dino me convidando para trabalhar com ele, em uma editora, cujo nome não guardei. Como eu jamais neguei, ele era realmente um bom profissional !
Comecei então a vasculhar o Estadão em busca de alguma oportunidade, e foi assim que me deparei com um anúncio, EXECUTIVO JOVEM. Naquele tempo eu ainda era! Liguei e marquei uma entrevista com o senhor Oswaldo. A Recanto Ahanguera Imóveis, era apenas uma das empresas que formavam o Grupo Recantur, haviam ainda, uma loja de móveis, dois restaurantes e dois hotéis, um em Ilha Bela e outro em Campos do Jordão. O cargo era de gerente, eu já estava formado em direito, e este pormenor, aliado ao fato de que eu tinha experiência em vendas e já havia trabalhado no ramo imobiliário, ajudou bastante. O fato é que, apenas eu sabia que jamais havia exercido um cargo de gerência, na Saraiva eu nem chegara a assumir, havia estudado a fundo uma enorme apostila do Manager Center, preparado inclusive o meu plano de trabalho mas, meus conhecimentos eram puramente teóricos, mesmo assim eu resolvi encarar. Até então, minha trajetória no ramo limitava-se a alguns poucos meses como corretor, e uns dois anos mais ou menos como promotor, daí para uma gerência já era um enorme passo. Voltava então para a zona oeste, e para o ramo imobiliário, praticamente para a mesma rua em que havia trabalhado a última vez, sem sequer imaginar que ficaria por ali nos próximos quatorze anos. Foram muitas vendas, e, parodiando o Rei Roberto, “Olha bicho, foram tantas emoções !“, algumas tiveram certa peculiaridade e são relatadas neste memorial. Durante este período fiz boas e produtivas amizades, as escrituras eram lavradas, via de regra, no Tabelião Milani, na rua Afonso Sardinha, eu mantinha um bom relacionamento com todos os escreventes, entre eles, Modesto, Flávio, Paes, Nivaldo, Junior, Pimenta, Maurício, o Cavalari, seu João Laureano, bem como com o próprio doutor Marcos Milani, inclusive cheguei a fechar a venda da sua casa na City Lapa, e com os seus filhos Marcio e Marquinhos. Conheci praticamente todos os construtores e investidores da região. A Recanto tinha uma estrutura familiar, seu Oswaldo cuidava da parte comercial, seu Toninho era um excelente relações públicas, cuidava das compras, e o seu Quintino cuidava da parte financeira e da loja de móveis., É bom salientar que, eu jamais, em tempo algum, presenciei qualquer rusga ou desentendimento entre os três, era um exemplo de irmandade como eu jamais vi até hoje. Tenho certeza de que o senhor João Teixeira, tinha muito orgulho dos filhos que criara. No princípio o escritório era num sobrado enorme na Rua Brigadeiro Gavião Peixoto, depois, para reduzir custos, houve a mudança para uma casa menor que ficava bem junto ao restaurante, que tinha o mesmo nome da imobiliária, e que havia sido de propriedade deles. Eram pessoas antigas, muito conhecidas e queridas no bairro. Haviam trabalhado na feira e em uma mercearia na rua Guaipá, na Vila Hamburguesa, que desativaram com a chegada dos supermercados. Depois abriram um pequeno bar, bem no bico da rua Belchior Azevedo, que formava um triangulo, e que com o tempo, se transformou em um dos mais conhecidos restaurantes da cidade. Na verdade chegaram a ter o restaurante e uma churrascaria rodízio, um junto ao outro, e o movimento de ambos era espetacular. O restaurante havia sido vendido há poucos anos, e alcançado o maior valor do mercado naquele setor. A churrascaria havia se transformado na Rústico Móveis e Decorações, que ainda pertencia a eles. Algum tempo depois eles transferiram a loja para um espaço menor, e os donos do restaurante abriram no local uma casa de bilhar, que começava a ser moda. Minha saída da Recanto Anhanguera ocorreu simplesmente pelo fato de que eu procurava novos horizontes, nunca havia trabalhado em uma imobiliária grande, e esta possibilidade realmente me atraia. Voltei então a consultar os classificados e acabei marcando uma entrevista com o senhor Pedro, dono da Imobiliária Júpiter. A entrevista foi na matriz, na Avenida do Cursino, e o cargo de gerente era para a agência do Planalto Paulista, na Avenida Indianópolis. A entrevista durou simplesmente mais de três horas, e eu acabei perdendo uma consulta no dentista, mas fui admitido. Comecei a trabalhar exatamente no Dia do Índio, em 1997, quando da minha apresentação aos corretores, havia muita gente na sala de reunião. Todos queriam saber quem era aquele maluco que começava a trabalhar em pleno sábado. Na Júpiter eu ficaria até Fevereiro de 2000, quando hipertenso, e à beira de um colapso nervoso, eu decidi largar a gerência e trabalhar como corretor, assim, eu fui para a Mello, na mesma avenida, apenas a dois quilômetros do meu antigo escritório. O Mello era o proprietário, e o gerente era o Marcial, os dois, muito conhecidos no ramo imobiliário. Ambos, assim como o seu Pedro da Júpiter, haviam trabalhado no Clineu Rocha, o Mello como fechador, e o Marcial como chefe da equipe de promotores. Posteriormente, Junto com o Clóvis Rocha, irmão do Clineu, o Marcial havia aberto um escritório no Brooklin que, por ocasião do Plano Collor, como a maioria dos mortais brasileiros, acabou sofrendo um baque de graves conseqüências, e o Marcial teve um enfarte. Mas como ele mesmo diz, é um verdadeiro Cyborg, já passou por poucas e boas, e sobreviveu inclusive a um acidente terrível em um posto de gasolina no bairro do Sumaresinho, tendo que se submeter a muitas e variadas operações. Na Mello também conheci o Pereira, baixinho, simpático e, segundo os que o conhecem daqueles tempos, um excelente corretor. Trabalhei na Mello uns dois anos, depois, novamente como gerente, estive um breve período na Imobiliária Sol Nascente, na Freguesia do Ó. A convite do Munhões, que havia sido corretor da minha equipe na Júpiter, voltei para a zona sul, como corretor na Caryspar. Eles anunciavam bastante, tinham um escritório em Moema e outro na Vila Clementino e a intenção era abrir quinze agências, mas a realidade foi bem diferente. Saindo da Caryspar fui trabalhar como corretor na Valor Imóveis, na Rua Luis Góis, com o Sinval, escrevente do Tabelião Pedroso, e com o Ronoel, que havia sido diretor da Caryspar. Depois de um ano e pouco, deixei a Valor Imóveis e assumi uma gerência na Camargo Dias, agência Alto da Boa Vista, onde fui indicado pelo meu amigo Jofre.Seis meses depois, voltei para a Valor como corretor, e dando atendimento a clientes de advocacia. Em novembro de 2006 o Sinval resolveu fechar a Valor Imóveis, e nós montamos um escritório de advocacia na Avenida Jabaquara, onde aliás, estou até o presente momento.
Neste blog, você vai encontrar, fatos interessantes acontecidos no dia a dia, e temas abordados em reuniões e palestras, reflexões sobre auto conhecimento, motivação e sistemas de trabalho, assim como textos escritos para combater o cansaço físico e psicológico, até porque,ninguém é de ferro! Espero de alguma forma, contribuir com uma leitura leve e interessante, pois sei muito bem que uma grande maioria dos homens de venda, principalmente corretores de imóveis, não é muito chegada aos livros. Mas, se você conseguiu chegar até aqui, já deve saber se vale a pena ou não continuar a leitura dos relatos que forjaram o molde deste humilde homem que jamais deixou de ser vendedor. Quero evidenciar, que os fatos narrados daqui por diante, não conservam uma seqüência cronológica, fui colocando no papel as lembranças que foram brotando espontaneamente sem qualquer outra preocupação, exceto preservar os fatos armazenados na memória, enquanto ainda não estou sujeito aos comuns esquecimentos que a idade, fatalmente, um dia ou outro nos reserva. Ou seja, enquanto a borracha do tempo, não apaga os rabiscos da memória! Me desculpem pela extensão desta apresentação, mas fazer o que??? quem já viveu bastante como eu, tem muita coisa pra contar!




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